Muita Precisão e Pouca Exatidão

Nós, servidores da ANEEL, sabemos da importância do nosso trabalho para o país e toda sua população. A energia elétrica é essencial para a sociedade. Sua falta, como ocorreu recentemente em São Paulo, evidencia a necessidade das mais diversas ações, desde a recomposição do serviço no menor prazo possível até a identificação do problema para aprimorarmos nossos processos e evitar que situações como essa se repitam.

Regular é, antes de tudo, saber identificar os problemas para então propor, analisar e aplicar soluções. Assim, precisamos ter muito cuidado com análises superficiais que apontam problemas inexistentes propõem soluções enviesadas com o objetivo torpe de atacar e fragilizar instituições de Estado, como a ANEEL. Sabemos que enfraquecer instituições de Estado é o caminho mais rápido para fragilizar a estabilidade regulatória do país.

Nesse sentido, mais uma vez a ANEEL é alvo de levianos ataques que não identificam os verdadeiros problemas, agridem seus servidores e não contribuem para encontrar as soluções corretas. Principalmente após o recente blackout de São Paulo, a ANEEL tem sido alvo dos mais oportunistas ataques contra sua autonomia, apesar de estar adotando todas as providências sob sua competência tanto para melhorar a regulação setorial do país quanto para resolver a situação específica de São Paulo.

A título de exemplo, a ANEEL tem discutido aprimoramentos regulatórios em prol da resiliência das redes contra eventos climáticos extremos. Essa discussão contribuirá tanto para evitar novos blackouts como os ocorridos em São Paulo quanto para auxiliar no enfrentamento de outras situações adversas, como as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2024.

No caso específico da Enel São Paulo, a ANEEL também tem atuado com celeridade: para o evento de 3 de novembro de 2023, em apenas cinco meses, todo o processo de fiscalização foi realizado, e a Diretoria da ANEEL manteve a penalidade recorde de 165 milhões para a Empresa. Em 2024, a Agência ainda executou diversas atividades de fiscalização para avaliar o comportamento e desempenho da concessionária na prestação adequada dos serviços de distribuição, como, o acompanhamento trimestral do plano de resultados de continuidade do fornecimento e a verificação in loco das condições técnicas, operativas e de manutenção de alimentadores.

A ANEEL, como Agência Reguladora, é uma instituição de Estado, e não de Governo, e deve manter uma posição equidistante em relação aos interesses dos usuários, dos prestadores dos serviços regulados e do próprio Governo, em busca do máximo bem-estar social. Logo, a autonomia da ANEEL é necessária para que esse equilíbrio seja seja alcançado. Portanto, a tese de que a autonomia da Agência é um problema e deve ser combatida não deve prosperar. Aceitar essa tese é admitir a solução errada de que a Agência deveria sofrer mais ingerência dos governos. Por óbvio, a ANEEL operar como secretaria de ministério não é solução, pois deturpa um dos princípios das agências reguladoras, ao desequilibrar em prol dos governos as relações com usuários e prestadores dos serviços regulados.

Todavia, a ANEEL tem, sim, problemas que precisam ser combatidos e resolvidos. E o principal problema da ANEEL é o seu sucateamento. Ou seja, o cerne do problema não é aquele pelo qual a Agência tem sido atacada. Está se mirando no alvo errado, com muita precisão mas pouca exatidão.

A Lei nº 10.871, de 2004, prevê que a ANEEL tenha 765 servidores. Esse número nunca foi alcançado e já se mostra insuficiente para a realidade atual e as perspectivas de crescimento do setor elétrico brasileiro. Atualmente, a Agência enfrenta uma situação de exaustão contínua e constante evasão de servidores. Seu quadro conta com menos de 557 servidores, o que representa uma defasagem superior a 27% em relação ao previsto por lei. Por outro lado, todos os números do setor elétrico mostram um crescimento vertiginoso do número de consumidores e de agentes no período, o que por si só já justificaria o aumento do quadro previsto na Lei.  Isso sem falar da constante criação e atribuição de novas obrigações à ANEEL por meio de Leis, Decretos e Portarias, nem sempre considerando a capacidade da Agência de agregar as novas demandas com a mesma quantidade de recursos.

O recente movimento Valoriza Regulação trouxe luz a essa condição precária vivida pela ANEEL, na qual seus servidores tentam suprir o déficit do quadro de pessoal trabalhando cargas horárias superiores a 8 horas diárias, em finais de semana, feriados, férias e até doentes, para manter o nível de eficiência da Agência no cumprimento de suas atribuições, num cenário de aumento da complexidade dos temas e de crescimento exponencial da quantidade de demandas.

Não adianta falar em Estado Regulador, se o Estado não investe na regulação. Há mais de uma década a ANEEL enfrenta problemas de contingenciamento orçamentário, enfraquecimento de suas carreiras e evasão de pessoal. A ANEEL são seus servidores, são o conhecimento, a experiência e as atividades que as pessoas que aqui trabalham realizam. E, para o país ter uma ANEEL forte e atuante, é preciso que ela tenha carreiras fortes e atrativas, bem como, um quadro integral de servidores e condizente com as exigências e atividades realizadas pela Agência.

Não é de hoje que a ANEEL e as demais Agências Reguladoras têm alertado os governos sobre essa situação. Todavia, os governos não investem nas Agências o que os usuários dos serviços regulados lhes pagam para realizar de investimentos. Em 2024, os usuários do setor elétrico devem pagar R$ 1,22 bilhões para o Governo investir na ANEEL. No entento, o Governo vai realizar o investimento de apenas R$ 360 milhões.

Ou seja, é legítima a reclamação dos usuários do setor elétrico, pois eles pagam para que o Governo realize investimentos da ordem de R$ 1,2 bilhões na ANEEL, mas o Governo investe menos de 30% desse valor na Agência. A nota feita pela ASEA disponível no link: https://asea.org.br/noticia/operacao-valoriza-regulacao-na-aneel/, explica em detalhes toda essa situação.

Cabe ressaltar que a perspectiva é que esse cenário continue assim. Na última negociação dos servidores com o Governo, esse não concordou em fortalecer as carreiras das Agências Reguladoras e encerrou a negociação sem apresentar proposta que posicione essas carreiras junto às demais carreiras típicas de Estado, como as do Ciclo de Gestão, do Banco Central e da Receita Federal. Ou seja, o Governo deliberadamente decidiu continuar sem investir na ANEEL a receita que recebe para esse fim, mantendo as carreiras dessa Agência pouco atrativas em relação a outras carreiras típicas de Estado.

Nesse sentido, é com bons olhos que vemos a indicação da Controladoria-Geral da União – CGU e do Tribunal de Contas da União – TCU para auditarem a atuação da ANEEL. Reconhecemos, aplaudimos e agradecemos muito essa iniciativa, pois será outra oportunidade para o Governo, assim como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, reconhecer o serviço de excelência prestado pelos servidores da ANEEL; identificar o real problema da Agência e adotar soluções para que o país invista na ANEEL, combatendo a exaustão contínua e a evasão constante de servidores.

Diante do exposto, os problemas que a ANEEL enfrenta não são aqueles que mais nos apontam. Temos que tomar muito cuidado com isso. Quando identificamos o problema errado, encaminhamos a solução errada, que, na prática, fragilizará a estabilidade regulatória do país, afastará bons investidores e prejudicará ainda mais toda a sociedade.

A ANEEL tem, sim, problemas e eles precisam ser enfrentados com responsabilidade, precisão e exatidão, tanto pela própria instituição quanto pelo Governo e toda a sociedade. Assim, reforçamos nosso pedido e contamos com a colaboração de todos para conscientizar o Governo, o Senado e o Parlamento sobre o real problema enfrentado pela ANEEL e a necessidade de fortalecer suas carreiras, recompor e ampliar seus quadros, além de valorizar a regulação federal.

 

Obrigado,

 

Associação dos Servidores da Agência Nacional de Energia Elétrica – ASEA

Brasília, 17 de outubro de 2024